02/10/2006

Poemário I: Supermercado


Sim, ia para a cama ler física, mas não fui. Fiquei a pensar em outras coisas, por exemplo, na vontade que tinha de escrever isto:

Supermercado
Fui ao supermercado - abastecer-me de comida e ilusão
Da primeira vim servida, da segunda não
Pedi entrecosto entremeado por listas não de gordura, mas de paixão
Veio-me um naco farto entremeado por desgosto e salpicado com nervuras
(o talho é sempre o lugar mais difícil para me contentar)
Fui buscar fruta
pensei em maçãs (do amor)
em pêssegos (um primor)
em acerolas (um horror)
em abacate (que da fruta é um tenor)
Trouxe maçãs com bicho, mas do amor
Pêssegos aveludados, um primor
Acerolas e cebolas (e misturei-as no saco das minhas rimas)
E abacate a lembrar calor.
(O bichinho da maçã era uma lagarta bem queridinha)
Do resto trouxe produtos de higiene e não me safei nada mal
Limpar custa menos que sujar?
Trouxe lenços de papel, remédios para a tosse, remédios para as dores, champô de mel e sabonetes de fel
Trouxe gelado do coração, douradinhos de pézinhos, iogurtes de soluços e tortellini para acompanhar Fellini
Encontrei vinho de maçapão, queijo de requeijão, quiabos de agrião, pepinos de feijão, mel de furacão e pasta dos dentes de pimentão
Cheguei a casa com compras despernadas
Com alimentos trangénicos
Que não eram higiénicos
Com sacos feitos de muita confusão

Mas no final, este passeio ao supermercado da vida
que pelo menos não fecha ao Domingo
mostrou-me como é fácil fazer uma sopa de mangericão, com asas de emancipação e sobremesa de soluços e maçapão
E estava tudo tão delicioso que voltei ao mesmo supermercado
(para buscar pastéis de beterraba e chouriços de consolação)
E tudo o que encontrei foi
um buraco
onde bem feitas as contas só cabia a minha imaginação

Sem comentários: