24/11/2006

7:30 da noite escura, parada, molhada

Há uma coisa que se chama agenda na cabeça (que é a agenda que mantemos para as coisas realmente importantes e que achamos ridículo apontar na agenda) e há outra coisa que se chama cabeça de agenda que, para que o meu trocadilho resulte com sentido, quer significar uma cabeça que pensa que consegue decorar tudo e não consegue. Eu pensava que tinha a primeira e hoje percebi que tenho a segunda.

Depois de um dia turbulento quanto baste na escola, entre um miúdo que "desaparece"
e uma mãe que não atende e um temporal que me levava qual Mary Poppins pelo ar; depois de andar o dia todo com o coração apertado, a minha principal prioridade era ir para casa. Fui buscar o carro à oficina onde o tinha deixado para alinhar a direcção e substituir os pneus. Ainda tentei que um dos nossos miúdos fizesse a formação vocacional aqui - mas levámos uma tampa do tamanho do mundo.

Com o carro pronto para a próxima aventura automobilística, o meu pensamento era único chegar a casa, sã e salva, chegar a casa, chegar a casa, chegar, chegar...
Cheguei de facto, mas não devia ter chegado. Devia ter ido de imediato para a minha primeira supervisão e não fui. Comi, adormeci ao som da sic notícias, refastelada no sofá quase a deliciar-me com a sorte que tive em ter corrido tudo bem quando atravessava a ponte e com o azar dos outros, aquela hora a chegar a casa. Ouvi as notícias das 6, das 7, adormeci ao som de acidentes e de derrubos de árvores e filas intermináveis e cortes de vias ferroviárias e cortes de estradas e continuava refastelada.

O pensamento foi rápido a assaltar-me: estava a ter supervisão e não podia mesmo faltar! O que fazer? Eram 7:30 da noite escura e parada - o que é muito pior do que dizer 19:30 simplesmente.
Como chegar à Rua Ortigão Ramos a voar? Como estar em Alfragide e lá ao mesmo tempo. Vesti o meu fato de super-chica-esperta da estrada e meti-me no meio do infindável trânsito que transbordava por Lisboa inteirinha.

Fiz terceiras filas, onde só existiam bermas, businei quando achei que era preciso acordar algum condutor mais conformado com a situação, intrometi-me como se de uma ambulância me tratasse a caminho do "Hospikaty" e velejei por entre lençóis de água, como se de alcatrão se tratasse.

Cheguei por fim ao meu destino, quando já todos os meus novos colegas se preparavam para ir embora. O ambiente era tão acolhedor que os breves momentos que ainda dispus para me retratar, me souberam bastante bem. Fui sincera e expliquei que tinha adormecido.
Hoje descobri que não tenho uma agenda na cabeça e tenho de me adaptar a essa ideia, por muito que me custe.

Provavelmente esta semana difícil que hoje termina não me permitiu ter a cabeça leve para pensar em mim e naquilo que são as coisas que tinha programadas.

Mas ter estado lá foi bom mesmo assim. A tristecidade que foi hoje Lisboa estava um bocadinho mais feliz com a tranquilidade que tentei poisar no regresso a casa, a comparar com a furiacidade que despejava a cada metro percorrido entre as 7 e as 8 da noite escura e molhada da cidade que não deixa Félix dormir.

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