18/10/2006

Quaisquer coisas

Começo a escrever por missão. Sinto que o devo aos 106 visitantes que já recebi na minha casa virtual. Já podemos acender e apagar em conjunto as velas de um mês de residência, nem sempre dedicada, nem sempre fiel.
Já podemos cortar uma fita (verde, por favor) que nos abre para uma casa bloggo-visito-centenária.

Sinto-me com maior responsabilidade, mas a verdade é que o meu trabalho actual deixa-me esgotada no final do dia. Chego quase sempre com a cabeça a tilintar entre movimentos rectilíneos e de projectéis, entre geometria euclidiana e bases da geologia, entre ditongos e gramática do inglês, do francês, entre cadernos de linhas duplas, entre canetas e borrachas (que mania que eu tenho de ser eu a apagar os cadernos aos meninos, tal como a minha mãe me fazia a mim).
Tenho comigo um arsenal de instrumentos, que aos olhos de outra pessoa, mais pareciam os de um palhaço.
Nos dias dos meninos que não estão virados para a leitura - transporto comigos instrumentos musicais. O xilofone é o mais divertido, pois ajuda na conceptualização de ditongos e na aprendizagem das sílabas. A princípio os miúdos ficam excitadíssimos por poderem ir fazer barulho e pôr a casa em pulvorosa. Depois acalmam e percebem que o piano de madeira está ali para ajudar.
Há dois tipos de miúdos. Os entusiasmados e os nem por isso. Os entusiasmados são miúdos que têm famílias entusiasmadas com eles, que sabem que a escola é boa e faz bem à saúde. Não quero com isto dizer que são os mais fáceis, pois também estes têm muitas dificuldades. Mas destes a pessoa sai com o coração cheio, a pensar: Será que eu estou mesmo a ajudar esta pessoa a sentir-se melhor consigo, a sentir-se feliz por estar a aprender? por estar alguém a olhar por ela, nem que por apenas duas horas na semana?
E depois há miúdos pequeninos que dizem, Catarina, quantos dias faltam para vires outra vez?
Mas também há quem diga, Ah, já estou cansado Catarina, mais não... e os que dizem, Que burra, burra que eu sou, a apontar para as suas cabeças. E depois há os deprimidos: Ah, isso eu não sei fazer, por acaso disso não gosto, não, acordar cedo, não, comer? não, não almoço nunca, Por acaso ao cinema não vou, não leio livros, não, não fiz o que combinámos, não, não, não sei e não percebo, não gosto, não me interessa. Nunca fiz, não tenho, não conheço, se eu tenho interesses? assim derrepente, não estou mesmo a ver...
E mesmo destes eu saio a pensar que fiz qualquer coisa aceitável - a minha auto-estima é uma jóia de moça, nunca me deixa ficar mal.

Não, não me quero justificar com os miúdos, mas a verdade é que me estou a justificar de alguma maneira. Assim seja, pronto.

A minha begónia não gosta do sol no meu quarto e vai morrendo lentamente ao meu lado, como que a seguir as pisadas do meu bonsai que, morto, permanece no parapeito da minha janela, numa evidente negação do seu (não) estado. Durou quase três anos mas, para ulmeiro, merecia mais. Se calhar não fiz o suficiente e sinto-me um bocadinho a sua assassina. Para cúmulo os seus tronquinhos até ganharam uma cor nova, avermelhada, como se de uma sangria de última hora se tratasse de molde a evitar o inevitável. Como se fosse humano derrepente.

Ontem percebi que o meu pé tem formato 33 e enfureci-me muito por isso. Vi uns sapatos de que gostei muito e decidi encomendá-los no número que até ontem eu julgava corresponder aos meus pezinhos: 35. Quando regressei à loja, pronta para levar o par e dá-lo a conhecer os seus congéneres na minha casa, experimentei-os quase como um proforma, como quem diz, tem mesmo de ser, não é? Quando os calço, reparo que cabiam lá dentro não só os meus pés, como os pés de um gigante (pronto, um gigante acabado de nascer). A empregada aprontou-se a dizer que eu calçava um 33,5, mas eu não me deixei ficar. Quem era ela afinal? A notícia não se dá assim de um momento para o outro. Disse-lhe, mas acha mesmo que a forma destes sapatos é que dita o verdadeiro número de uma pessoa? Ela calou-se e olhou-me de soslaio. Vai ver se a fábrica faz de encomenda uns sapatos de nipónica, mas não garante. Apetecia-me mandá-la, mas resfriei os meus azeites com um paradoxal obrigado seco.

Assim de futilidades, não estou agora a ver mais nada de repente.
Amanhã o meu dia começa em Pêro Pinheiro e termina em Almargem do Bispo. Venho comer a casa. Ainda não mudei a roupa do guarda-vestidos do Verão para o Inverno, porque não tenho um closet. Leio cerca de 3 páginas por noite do "D'este viver aqui neste papel descripto" e sonho em receber cartas do meu namorado.
O meu gato passa sem exagero nenhum 80% do tempo útil (isto é, de dia) a dormir. De noite, sei lá, deve acender a televisão e dar umas cachimbadas - algo de proíbido há-de ser...
Fui ao Moreno Cabeleireiros num dia de neura e saí de lá mais pobre. Jurei para nunca mais.
Hoje a professora da minha faculdade, com quem tenho colaborado e com a qual vamos apresentar um poster no Simposium de Évora, deu-me um livro! Chama-se "O que os iletrados nos ensinam sobre os testes de inteligência". Fiquei contente.
Hoje o dia não correu mal. Namorado, telefona, senão vou continuar a escrever coisas. De interesse duvidoso.
A porta continua aberta. Sempre bem-vindos são. E mais a pena cantara, a poder mais.

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